O Candomblé é uma religião iniciática de caráter progressivo. A sua organização estabelece-se a partir de um conceito peculiar de hierarquia onde o que está “acima” não tem, necessariamente, poder sobre o que está “abaixo”, mas vai adquirindo, com o tempo e as “obrigações”, o direito de participar e “ver” aspectos mais profundos do quotidiano religioso obtendo, com isso, mais conhecimento.
A ascensão hierárquica faz-se pela associação indissolúvel de tempo e conhecimento; tempo sem conhecimento ou conhecimento sem tempo constituem-se como caminhos desviantes que tornam o indivíduo inadequado à convivência coletiva. Em síntese, a hierarquia no candomblé estabelece-se no sentido dos que “sabem” (no tempo) para os que “não sabem” (por terem pouco tempo).
No candomblé o saber realiza-se sempre no real; quem sabe, não sabe para si nem por si, sabe a partir da necessidade e para fins. O saber é ao mesmo tempo o segredo, a necessidade e a capacidade de materializar o conhecimento, transmutando mitos em ritos, práticas e objetos. Quanto mais conhecimento tanto mais ritos, práticas e objetos.
Um caminho interessante para se constatar isso é a observância sobre o fio de contas que, mais do que um adorno, é uma marca e uma fonte de axé. O simples colar ao ser imerso na devida mistura de folhas quinadas, associada a alguns outros materiais, transforma-se numa identificação que remete o indivíduo ao seu lugar na comunidade.
A cerimônia da lavagem das contas é, por assim dizer, a inserção do novato no universo mítico e místico do candomblé. Ao receber os seus primeiros fios de contas, geralmente um fio de Oxalá e outro de seu orixá pessoal, o então Abiã apercebe-se da importância de Oxalá no conjunto dos orixás.
Oxalá é o deus do branco, o pai dos orixás, ou seja, uma energia geradora que antecede, no tempo, os demais orixás. Oxalá “pró-cria”, abranda, arrefece e descansa. Os primeiros conhecimentos acerca deste orixá circunscrevem-se na própria simbologia do branco que, sendo o somatório de todas as cores, traz em si todas as possibilidades de cor. É a energia de onde tudo sai e para onde tudo retorna e por isso o branco é tanto a cor que festeja o nascimento como a que marca o momento da morte. O luto no candomblé é branco, pois representa o retorno do indivíduo à massa informe da ancestralidade.
Por isso, necessariamente, o primeiro fio que se recebe é o branco de Oxalá, simbolizando o estado de latência que caracteriza o Abiã com um candidato à iniciação. O branco de Oxalá é o dialeto do justo descanso com o movimento gerúndio.
No período da iniciação, o Iaô, além de fazer jus a uma pequena coleção com os Inhãs dos orixás que participam de sua configuração espiritual, recebe algumas contas específicas que o identificam como tal; são elas o Mocam, o Kelê e os Deloguns; nesta ocasião os fios irão “comer” junto com o “santo”, isto é, configurar-se-ão como verdadeiros campos de força.
Após a obrigação de três anos, é comum ao ainda Iaô, já com alguma graduação, ser presenteado com alguma conta mais “enfeitada” adquirindo, com isto, o direito de criar para si colares mais rebuscados com miçangas um pouco maiores e até alguns poucos corais, primando ainda pela discrição.
Quando da obrigação de sete anos, o agora Ebômi adquire adornos que o identificam como tal: o Runjebe, o Lagdbá, o Brajá, o Âbar, o Monjoló, os corais, as contas africanas multicoloridas e o alabastro. Mais do que isso, ganha a liberdade total de criar os seus próprios fios, seja no tamanho das contas, na riqueza dos detalhes ou dos próprios materiais a utilizar (ouro, prata, etc.). O Ebômi já conhece os seus “fundamentos”, por isso ganha essa liberdade.
Entretanto, não termina aí a aprendizagem. Até aos sete anos o Iaô é tutelado e educado pelos seus iniciadores, a partir daí é tutelado pela própria liberdade. Muito embora, parafraseando José Flávio Pessoa de Barros, “a modéstia não seja bem-vinda no candomblé”, o bom-tom e a justa medida são apreciadíssimos. O Ebômi deve ser um exemplo para o Iaô, principalmente no que diz respeito ao manuseamento de sua própria liberdade e a adequação às situações, dentro e fora da comunidade.
A confecção e utilização dos fios de contas deve ser sempre um exercício da criatividade, mas também deve corresponder a uma estética própria do candomblé que preserva através de seus objetos a sua própria história; inovações excessivas ferem a justa medida e tornam-se inadequadas, uma vez que os objetos são importantes instrumentos de apoio à manutenção da tradição oral.
Na mitologia sobre a invenção do candomblé, os colares de contas aparecem como objetos de identificação dos fiéis aos deuses e o seu recebimento, como momento importante nessa vinculação. De acordo com o mito, a montagem, a lavagem e a entrega dos fios de contas constituem momentos fundamentais no ritual de iniciação dos filhos de santo, os quais, daí em diante, além de unidos, estão protegidos pelos orixás.
Feitos com contas de diferentes materiais e cores, esses fios apresentam uma grande diversidade e podem ser agrupados por tipologias de acordo com os usos e significados que têm no culto. Assim, acompanham e marcam a vida espiritual do fiel, desde os primeiros instantes da sua iniciação até as suas cerimônias fúnebres.
Como nos momentos da montagem e do recebimento, também o instante da ruptura é significativo; entretanto, o rompimento do fio de contas, mais do que indicar um mau presságio, que assusta e preocupa o indivíduo e a comunidade, pode ser o início de um novo ciclo, um recomeço, um momento de viragem que pede um novo fio. Dos primeiros fios – simples ascéticos e rigorosos – às contas mais livres, exuberantes, complexas e personalizadas que a pessoa vai produzindo ou ganhando ao longo do tempo, delineia-se o caminho de cada um na sua vinculação aos orixás e à comunidade do terreiro.
Desta maneira, mais do que a libertação do gosto particular, as transformações nos colares revelam o conhecimento adquirido pela pessoa e sua ascensão na hierarquia religiosa. De tal modo que um leigo pode passar despercebido por um fio de contas ou vê-lo apenas como um adorno, enquanto um iniciado na cultura do candomblé o tomará como um objeto pleno de significados, que pode ser “lido” e no qual é possível identificar a raiz, o orixá da cabeça e o tempo de iniciação, entre outros dados da vida espiritual de quem o usa.
Dos ritos secretos e espaços fechados do culto aos orixás, os fios de contas ganharam o mundo e adquiriram novos usos. De África vieram para o Brasil e para todo o mundo onde o candomblé se tem difundido. Hoje, devido ao sincretismo religioso, além dos espaços de culto, é possível observar a presença de fios de contas em lugares inusitados como automóveis e lojas, mas já destituídos das funções e sentidos primordiais, usados apenas para proteger os espaços e as pessoas contra maus agouros.
Pode ser chamado fio de contas desde aquele de um fio único de miçangas até a um colar com vários fios presos por uma ou várias firmas. A quantidade de fios pode variar de uma nação para outra na correspondência de cargos.
Na hierarquia do candomblé toda a pessoa que entra para a religião será um Abiã e assim permanecerá até que se inicie. Ao Abiã só é permitido o uso de dois fios de contas simples de um fio só, um na cor branco leitoso que corresponde a Oxalá, de acordo com a nação e um na cor do Orixá da pessoa, quando já tenha sido identificado, dessa forma pode-se saber que a pessoa é um Abiã e qual é o seu Orixá.
Um Egbomi usa diversos colares de um fio só, com contas na cor dos Orixás que já têm assentados e estas já podem ser intercaladas com corais ou firmas Africanas.
Tipos de fios de contas:
Yian/Inhãs: Fios de uma só “perna”, isto é, o colar simples de uma só fiada de miçangas cuja medida deve ir até a altura do umbigo.
Delogum: Colares feitos de 16 fiadas de miçangas com um único fecho cuja medida, como os Inhãs, vai até à altura do umbigo. Cada Iaô deve possuir, normalmente, um Delogum do seu orixá principal e outro do orixá que o acompanha em segundo plano.
Brajá: longos fios montados de dois em dois, em pares opostos. Podem ser usados a tiracolo e cruzando o peito e as costas. É a simbologia da inter-relação do direito com esquerdo, masculino e feminino, passado e presente. Quem usa esse tipo de colar é um descendente dessa “união”.
Humgebê/Rungeve: Feito de miçangas marrons, corais e seguis (um tipo de conta).
Lagdibá/Lakidibá: Feito de fios múltiplos, em conjuntos de 7, 14 ou 21. São unidos por uma firma (conta cilíndrica).
As Cores dos fios de contas de cada Orixá:
Exú – Contas Pretas intercaladas com Contas Vermelhas ou contas Cinza.
Ogum – Contas Verde ou azul marinho
Oxóssi – Contas Azul turquesa
Omulú – Contas Brancas Raiadas de Preto e Marrom
Jagun – Contas brancas rajadas de preto
Oxumaré – Contas verdes Raiadas de Amarelo
Ossaim – Contas Verdes rajadas de branco
Iroko – Contas Verdes intercaladas com Contas marrom
Logun Edé – Contas Azul turquesa intercaladas com Contas douradas.
Oxum – Contas Douradas ou Contas de Âmbar
Iemanjá – Contas Brancas translúcidas ou Contas de Cristal
Iansã – Contas Marrons ou Contas de Coral.
Obá – Cinco Contas Vermelho escuro intercalada com uma Conta Amarela, podem ser tipo cristal.
Ewá – Contas Vermelhas rajadas de amarelo
Nanã – Contas Brancas Rajadas de Azul marinho
Xangô – Contas Vermelhas ou marrom intercaladas com Contas Brancas
Ayrá – Contas Brancas rajadas de marrom ou vermelho
Oxalá – Contas Branco Leitoso.
Oxaguian – Contas brancas intercaladas com oito seguís